Diamantes são eternos: dilemas de posicionamento de uma marca de luxo

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Resumo

O mercado de diamantes naturais sofreu diversas mudanças durante sua história. Durante séculos, a exploração, o financiamento de guerras e muitos outros escândalos criaram situações complicadas para as corporações que trabalham no ramo, como o Grupo De Beers. Contudo, a tecnologia criou um competidor inesperado: os diamantes criados em laboratório, que estabeleceram um novo segmento de mercado e novas formas de negócio que não poderiam ser ignoradas. Com olhar nesse novo mercado, a De Beers fundou a marca LightBox para atuar simultaneamente junto com seu segmento original, os diamantes naturais. Agora, para que ambos possam coexistir no disputado mercado de luxo, é necessário estabelecer um posicionamento de marca e um branding que permitam a geração de valor para ambas empresas. Este caso é um convite aos leitores para conhecerem a maior empresa do mercado de diamantes do século XX e refletir sobre seu futuro no século XXI e sobre as estratégias de marketing que devem ser adotadas para a geração de valor para todos os stakeholders envolvidos.

Palavras-chave: Marketing; Branding; Mercado de Diamantes; Artigos de Luxo.

Abstract

The natural diamond market has suffered several changes during its history. For centuries, exploitation, the financing of wars, and many other scandals have created difficult situations for corporations working in the field, such as the De Beers Group. However, the heyday of modernity and technology created an unexpected competitor: laboratory-grown diamonds, which established a new market segment and new ways of business that could not be ignored. Looking out for this new market, De Beers founded LightBox to work simultaneously with its original segment, the natural diamonds. Now, so that both can coexist in the disputed luxury market, it is necessary to establish brand positioning and a branding that allows value for both companies. This case is an invitation to readers to get to know the biggest company in the 20th-century diamond market and reflect on its future in the 21st-century and what marketing strategies should be adopted so that both organizations can thrive and deliver value to all stakeholders involved.

Keywords: Marketing; Branding; Diamond Market; Luxury Items.

Surgimento da De Beers

Ao longo do século XIX, o continente africano foi palco para a assinatura de múltiplos acordos que ocasionaram sua partilha entre as grandes potências europeias. O imperialismo praticado pelas nações industrializadas almejava ampliar seu acesso a matérias-primas e mercados consumidores em vista da recente Revolução Industrial.  Foi nesse contexto de busca e exploração que surgiram Cecil Rhodes, colonizador britânico, então ministro da colônia do Cabo e fundador da Companhia Britânica da África do Sul, e Barney Barnato, empresário britânico considerado barão do ouro e magnata de diamantes. Ambos foram responsáveis pela descoberta de múltiplas minas de ouro e diamantes.

No ano de 1871, a mina Kimberley foi descoberta na África do Sul. Rhodes e Barnoto, então rivais, compraram o direito de exploração da mina de várias empresas mineradoras menores até tornarem-se ambos os principais exploradores do local. Em meio as brigas para definir a dominância comercial de Kimberley, os dois empresários aumentaram a oferta de diamantes no mercado, fazendo com que os preços diminuíssem drasticamente. Para resolver o problema, a única solução encontrada foi a fusão de suas mineradoras.

E, assim, em 1888, os britânicos fundaram o Grupo De Beers, uma companhia em atuação no mercado de diamantes naturais até os dias atuais, contando com mais de 20.000 funcionários e um faturamento estimado de US$5,06 bilhões, de acordo com as informações divulgadas pelo Grupo em 2021.

Por décadas, o Grupo De Beers monopolizou a cadeia produtiva mundial de diamantes naturais, detendo para si as maiores e melhores minas produtoras de diamante, exímias em quantidade e qualidade. Além disso, até o final do século XX, o Grupo foi responsável pelo corte e polimento das pedras, fornecendo-as diretamente para as principais joalherias do mundo.

A marca De Beers

Até o final da década de 1980, o Grupo De Beers atuava tanto como empresa central quanto intermediária, com um maior enfoque na segunda. Ou seja, apesar de extrair, processar e vender seus próprios diamantes, a empresa concentrava-se em uma atuação  intermediadora na cadeia produtiva:

  • Comprando diamantes extraídos de outras minas.
  • Vendendo diamantes brutos para a indústria de processamento
  • Comprando diamantes processados de outras empresas processadoras
  • Vendendo diamantes processados para a indústria de joias, atendendo empresas como Tiffany & Co. e outras.

A De Beers comandava a cadeia produtiva de diamantes, escoando sua produção para o mercado consumidor por meio de vendas B2B (business-to-business – interação comercial entre duas empresas) e B2C (business-to-consumer – comércio entre a empresa produtora e o consumidor final). Posto isso, o Grupo comercializava suas pedras para empresas demandantes, como joalherias, e diretamente para o consumidor final, com joalherias próprias da empresa.

Entretanto, com anos de dominação sobre os diamantes naturais, crises irremediáveis começaram a surgir a partir dos anos 90 e alteraram o curso da empresa e do próprio mercado. A verticalização da cadeia produtiva, o escândalo dos Diamantes de sangue, medidas de regulação comercial e a orientação do mercado pela demanda foram alguns dos eventos que levaram a De Beers a mudar seu modelo de atuação para sobreviver aos novos tempos.

A crise dos diamantes naturais e a estratégia da De Beers

O diamante natural é um mineral composto por carbono cristalizado sob alta temperatura e pressão no curso de milhões de anos sob a superfície terrestre. Em vista disso, cada pedra é singular, única, impossibilitando classificar o diamante como uma commodity, ou seja, um bem em estado bruto, produzido em larga escala e de características homogêneas.

Anualmente, o mercado de diamantes movimenta US$ 13 bilhões em pedras brutas, US$17 bilhões em diamantes processados e US$ 82 bilhões em joias, conforme média anual dos anos de 2015 a 2017. Essas são as três principais indústrias que compõem a cadeia produtiva dos diamantes naturais:  exploração, processamento e transformação.

Até o final da década de 1980, na indústria de exploração, seja a céu aberto, no subsolo, no mar profundo ou em encostas, a De Beers se faz presente, detendo extensas minas de exploração, principalmente localizadas na África do Sul. Na indústria do processamento, o corte e polimento de mais de 50% dos diamantes do mundo estava a cargo da Índia, com um valor agregado de US$ 10 por quilate, o mais competitivo entre os países.

Durante a década de 1990, os países africanos começaram a questionar a razão de seus diamantes serem extraídos de suas terras e processados na Índia. Assim, iniciou-se o movimento de verticalização da cadeia produtiva, com o estabelecimento de leis locais nos países produtores de diamantes para fortalecer a indústria nacional. Nessa perspectiva, minas começaram a se integrar na indústria de processamento e de joias. O processo contrário também aconteceu: com a perda de fornecedores diretos, as indústrias de processamento e também de joias começaram a investir em suas próprias minas.

Toda essa mudança no cenário mundial reduziu drasticamente a parcela de mercado da De Beers para 65% ao final da década de 1990. Esse número significou uma grande redução, pois no início da década, a empresa detinha 85% da parcela do mercado global, tendo 45% dos diamantes brutos e 80% dos diamantes processados do mundo sob sua posse.

O golpe final foi deferido em 1998, quando veio à tona o envolvimento da De Beers no escândalo dos Diamantes de Sangue. Angola, um dos maiores países produtores de diamantes, foi dominada por forças rebeldes eclodindo uma guerra civil, na qual os grupos conflitantes usaram os diamantes para financiar armamentos. O Grupo De Beers continuou a comprar os diamantes advindos do conflito em uma tentativa de manter seu controle sobre o mercado, já reduzido e, assim, manchando sua reputação com a participação em um evento histórico que ceifou milhões de vidas. Em meio aos escândalos, grandes empresas anunciaram o encerramento de suas parcerias com o Grupo, como a gigante da indústria da joalheria Tiffany & Co.

Com tantos problemas a sua volta, a De Beers teve que tomar várias decisões gerenciais para se restabelecer no mercado.

Sua primeira medida foi remediar o escândalo de seu envolvimento com os Diamantes de Sangue. Para isso, o Grupo se comprometeu a comercializar diamantes oriundos apenas de sua própria produção, não mais comprando e vendendo pedras de outras providências. Em 1998 criaram a Forevermark — uma pequeníssima logo colocada nos diamantes para identificá-los como conflict free (sem conflitos).

A segunda medida foi reconhecer que seu domínio de mercado não mais alcançaria os mesmos números do passado, com todas as medidas antitruste adotadas. Assim, o Grupo começou a vender seus diamantes orientado pela demanda, não mais injetando seus diamantes no mercado e controlando os preços. Essa ação foi possível por meio da implantação do esquema de Sightholders – empresas que compõem uma lista de organizações autorizadas a adquirir diamantes brutos ou processados da marca De Beers, sendo formadas por joalherias e revendedoras de diamantes que estabeleceram relação contratual com o Grupo, podendo solicitar diamantes em lotes “personalizados” e usufruir de outros benefícios, de forma a “garantir uma maior entrega de valor na parceria”.

Nesse sentido, em 2000, a empresa iniciou seu programa especial Supplier of Choice (fornecedora “número 1” para escolha dos consumidores) visando esses Sightholders, com atuação em três frentes: produção e distribuição, promoção e confiança do consumidor.

  • Produção e distribuição: almejando um modelo mais enxuto, a De Beers deixou de atuar como empresa intermediária para focar em sua própria produção, agregando valor aos seus diamantes a cada etapa da cadeia produtiva, entregando diamantes de alta qualidade para joalherias Sightholders e produzindo peças próprias para varejo.
  • Promoção: segundo a De Beers, em 2000 o mercado de joias de diamantes destinava ao Marketing e Propaganda apenas 2% dos resultados econômicos de suas vendas globais, enquanto o mercado de bens de luxo, no geral, destinava 10% para determinado fim. Assim, o Grupo oferecia aos Sightholders a oportunidade de se beneficiar de suas campanhas de marketing enquanto desenvolviam os planos de branding de suas próprias marcas.
  • Confiança do Consumidor: a Forevermark, criada em 1998, foi inserida no programa  para aumentar a confiança dos Sightholders e seus respectivos consumidores, garantindo um diamante natural, sem tratamentos para fissuras ou alteração de cor e, mais importante, sem relação com conflitos.

Essas medidas conseguiram restabelecer a De Beers no mercado por pouco tempo. Em paralelo à reconstrução da imagem da De Beers, a inovação e os avanços tecnológicos criaram um grande desafio para a empresa recém-estruturada.

A ascensão dos diamantes de laboratórios

Ao longo dos anos, múltiplas tecnologias surgiram e facilitaram a exploração de diamantes naturais, mas o impacto ambiental e a complexidade da obtenção desse mineral tão único fez cientistas de todo o mundo buscarem outras alternativas para sua produção. Assim, a tecnologia foi se mostrando cada vez mais importante, principalmente em relação à sustentabilidade.

Em 1797, a composição do diamante foi estudada e verificou-se que era carbono puro. Desde então, cientistas promoveram experimentos para criar a gema em laboratório. O primeiro sucesso ocorreu em 1954, com a criação de um cristal de carbono duro o suficiente, mas sem o refinamento necessário para ser uma pedra preciosa. Na época, a General Electrics – conglomerado multinacional no ramo de tecnologia – desenvolveu máquinas capazes de fabricar este material para utilizá-lo no corte de outras substâncias, como: metais, cerâmicas e concreto. Porém, a produção de diamantes em laboratório era extremamente cara devido às técnicas aplicadas e à quantidade de energia necessária para sua fabricação. Então, neste período, os diamantes cultivados em laboratório não eram uma opção viável para comercialização.

Os estudos prosseguiram e, em 1971, cientistas conseguiram produzir um diamante com a qualidade necessária. Entretanto sua produção resultou em uma gema de cor amarelada devido a infusão de nitrogênio no processo de produção, além de continuar sendo um procedimento muito caro.

Finalmente, em 1999, a tecnologia foi capaz de criar diamantes que ”poderiam exceder diamantes naturais em quilates  (tamanho),  cor e  clareza, em um processo de produção menos custoso se comparado com a mineração de diamantes naturais. Lentamente, essas pedras preciosas entraram no mercado de diamantes.” (Primegems/Amanda Butrcher).

Durante a década de 2000, a tecnologia necessária para realizar o cultivo de diamantes em laboratório evoluiu e tornou possível a produção e, consequentemente, a comercialização deste produto em larga escala. Além disso, outros fatores (como a cadeia produtiva mais sustentável desse produto, quando comparado à exploração tradicional), fizeram com que esse mercado se expandisse. Assim, esta novidade atraiu a atenção de novos competidores e desafiou os tradicionais players do mercado a se reinventarem, a fim de se manterem competitivos nessa indústria.

No processo de cultivo de diamantes em laboratórios, utilizam-se máquinas capazes de produzir um ambiente com elevado calor e alta pressão, condição semelhante à que ocorre na natureza para a obtenção de diamantes. Entretanto, uma grande diferença entre os dois processos é que, nos laboratórios, são necessárias cerca de quatro semanas para a produção de um diamante de 1 quilate e, na natureza, o mesmo processo ocorre em milhões de anos.

Os diamantes produzidos em laboratório possuem diversas nomenclaturas, como: “sintéticos”, “feitos pelo homem” e “cultivados em laboratório”. Não é possível ver a diferença a olho nu entre um diamante natural e um cultivado em laboratório,  somente quando especialistas em diamante as analisam com uso de microscópios. Além disso, o preço de uma pedra feita em laboratório é de 20% a 40% menor em comparação a pedra minerada.

Os diamantes produzidos em laboratório possuem características ópticas, químicas, térmicas e físicas iguais aos diamantes de mineração. Assim, os diamantes cultivados em laboratório são classificados pelos mesmos critérios das pedras tradicionais: corte, cor, clareza e quilate.

Para a De Beers, o diamante natural carrega consigo um grande valor simbólico por ter sido formado durante milhões de anos na crosta terrestre. Por isso, em um primeiro momento, ela se posicionou de forma completamente contrária à entrada dos diamantes de laboratório no mercado. A De Beers lançou um programa em defesa das gemas naturais, fornecendo a seus principais compradores e intermediários o maquinário necessário para distingui-las, de forma que o consumidor final não fosse “enganado”.

Entretanto, a De Beers não contava com o apelo ético-ambiental-social que os diamantes de laboratório possuíam, o que lhes dava cada vez mais espaço no mercado de diamantes. Então, em 2018, a empresa percebeu que era impossível lutar contra os preceitos da sustentabilidade e da tecnologia e se rendeu aos diamantes de laboratório.

Surgimento da LightBox

Em 2018, o Grupo De Beers lançou a marca Lightbox Jewelry, mais conhecida como LightBox, a qual produz e comercializa exclusivamente joias com diamantes produzidos em laboratório. Na época, Steve Coe, presidente da Lightbox, disse que a marca surgiu para oferecer joias de alta-qualidade e design de excelência a preços menores que os ofertados pelos concorrentes.

No lançamento da nova marca, Bruce Cleaver, CEO da De Beers Group na época, afirmou que “a Lightbox irá transformar o setor de diamantes cultivados em laboratórios ao oferecer aos clientes um produto que eles nos disseram que querem, mas atualmente não encontram: uma acessível joia de design que talvez não seja para sempre, mas seja perfeita para o agora”. Neste mesmo contexto, o CEO afirmou que os produtores de diamantes em laboratório estavam perdendo a oportunidade de oferecer um produto divertido e mais  acessível economicamente.

Assim, com apoio e desenvolvimento da tecnologia, surge a Lightbox para oferecer menores preços a consumidores que preferem joias com menor impacto ambiental e preços mais acessíveis. E, desde o início, o CEO do Grupo afirmou que a marca é um pequeno negócio quando comparado aos outros setores do Grupo, mas é uma oportunidade a ser explorada, já que garante uma nova e complementar oportunidade comercial ao Grupo De Beers.

De acordo com a estratégia do Grupo, de 2018 a 2022, os diamantes serão produzidos no laboratório de Oregon e comercializados primeiramente apenas nos Estados Unidos por meio do e-commerce. O investimento previsto para esse período foi de 94 milhões de dólares. Além disso, o Grupo desenvolveu uma tecnologia na qual todo diamante acima de 0,2 quilate produzido em laboratório pela Lightbox terá uma pequeníssima logo da empresa colocada nos diamantes para identificá-los como produzido em laboratório, além de ser um marcador de qualidade e de produto feito pelo Grupo De Beers.

A estratégia de posicionamento do Grupo De Beers: do melhor slogan do século XX aos novos tempos

No começo do século XX, oficializar um noivado com um anel de diamante era uma prática que ainda estava se estabelecendo. Além disso, após a 1ª Guerra Mundial e a Crise de 1929, o preço dos diamantes estava em queda, as vendas estavam estagnadas e os diamantes em circulação eram pequenos e de baixa qualidade.

Harry Oppenheimer, CEO da De Beers à época, viajou aos Estados Unidos para tentar retomar o consumo de diamantes no país e, para isso, contratou a agência de publicidade N.W. Ayer que lhe fez uma proposta que revolucionou o mercado de diamantes mesmo em meio à crise.

A De Beers deveria “convencer os homens jovens que um diamante (e apenas um diamante) era sinônimo de romance, e que a medida do seu amor e do seu sucesso pessoal e profissional era diretamente proporcional ao tamanho e qualidade do diamante que ele comprasse. E as jovens mulheres deveriam ser convencidas de que o cortejo de um homem, inevitavelmente, deveria ser um diamante” (texto original de Uri Friedman para The Atlantic, 2015). Assim, em 1939, a De Beers se tornou a 1ª empresa a promover diamantes, por meio de campanhas de anéis de noivado, que revolucionou o mercado de diamantes frente aos efeitos da Crise de 1929 e o estopim da 2ª Guerra Mundial.

Em 1947,  nasceu o slogan da empresa: “A Diamond is Forever” (Um Diamante é Para Sempre), que foi considerado o melhor slogan publicitário do século XX pela revista especializada Advertising Age. O slogan consagrou a De Beers no mercado varejista de joias de diamante.

A empresa continuou a promover suas joias – anéis, colares, brincos e outros acessórios – como símbolo de amor, não apenas para o noivado, mas para presentear a pessoa amada, com campanhas como: "She married you for richer or poorer. Let her know how it's going.” (Ela se casou com você ‘na riqueza ou na pobreza’. Deixe-a saber como está indo). Além disso, o Grupo De Beers também promoveu seus diamantes para trabalhadores de classe média-alta, com a campanha “como eternizar dois meses de seu salário”, que indicava que, com dois meses de salário, um trabalhador daria um presente que sua mulher amada guardaria para sempre.

Contudo, de 1970 a 2000, as taxas de divórcio aumentaram. Apenas nos Estados Unidos, 50% das mulheres não eram casadas, por escolha própria ou não, e muitas já não acreditavam nas histórias de “amor eterno”. Frente à iminente crise, a De Beers passou a promover o diamante não apenas como o amor entre duas pessoas, mas um emblema de amor próprio. Dessa maneira, em 2001 foi lançada a campanha do “Anel da mão direita”, para promover as joias da De Beers como um sinal de empoderamento e independência feminina.

Nos últimos anos, a empresa tem buscado novas formas de se posicionar para se manter competitiva no mercado. Em 2020, a empresa passou a associar a compra de seus diamantes à ajuda humanitária para contribuir com as comunidades carentes de Botswana, Namíbia e África do Sul, além da conversão de renda para a proteção da Savana Africana. Em 2022, a sua mais recente campanha busca promover seus diamantes como símbolo de qualquer tipo de amor, dando representatividade à comunidade LGBTQIA +.

O público alvo da De Beers contempla homens e mulheres na margem dos 30 anos para cima, de classe média-alta e alta, principalmente as mulheres. Uma pesquisa recente realizada pela De Beers revelou que, mesmo com a pandemia e a retração observada no mercado global e no de diamantes, a demanda por joias é forte, tanto para composição de estilo pessoal quanto para noivados.  A pesquisa mostrou que, em um contexto matrimonial, as mulheres são mais propensas a pensarem sobre seu anel de noivado (54%) do que outros aspectos como o casamento (32%) ou lua de mel (15%)  (NYAUNGWA, 2020).

Com relação aos preços praticados, o Grupo De Beers utiliza estratégias de posicionamento de preços diferentes para cada frente de atuação do Grupo. Para diamantes brutos, a precificação segue o modelo de avaliação do diamante com base no tamanho (quilates) e na qualidade da pedra. Os preços praticados pelo Grupo ainda hoje influenciam na média de preço de um quilate de um diamante no mercado global. O preço das pedras têm valor agregado a cada etapa da cadeia produtiva, como é o caso dos diamantes processados.

Em sua joalheria, os preços da De Beers estão de acordo com o mercado. O preço de um anel de noivado com um diamante de 1 quilate custa, aproximadamente, R$76 mil (US$14,4 mil - cotação em 03/08/2022), o mesmo valor praticado por outras gigantes da joalheria.

A estratégia de posicionamento da LightBox: alfabetização, comunicação e diversificação de grupos

Atualmente a Lightbox opera como empresa subsidiária independente pertencente ao Grupo De Beers e sua missão é “Disponibilizar o brilho do diamante para mais pessoas com mais frequência". Por isso, investe bastante em tecnologia para fazer os diamantes fabricados em laboratórios serem maiores, melhores e economicamente mais acessíveis.

Uma das características marcantes do posicionamento da Lightbox é a alfabetização do público quanto ao mercado de diamantes produzidos em laboratório. No site da empresa é possível acessar diversos conteúdos sobre o tema, como:

  • O que são diamantes produzidos em laboratório,
  • Métodos utilizados para produzir os diamantes da LightBox,
  • Descrição do processo de produção dos diamantes Lightbox (em vídeo),
  • Qualidade dos diamantes Lightbox.

Outro aspecto marcante do marketing  da LightBox é o modelo de  precificação utilizado para atrair a atenção dos consumidores que procuram baixo custo. Diferentemente do mercado tradicional de joias, a marca utiliza somente um critério para a precificação: a quantidade de quilates. Desconsidera-se os tradicionais aspectos como cor da pedra, uma vez que o processo de produção e a fabricação de diamantes coloridos não difere substancialmente da produção de diamantes sem cor.

Atualmente, cada quilate (do inglês carat) custa 800 dólares e as demais pedras obedecem essa proporção, ou seja, uma pedra de ½ quilate custa 400 dólares, conforme imagem abaixo:

Fonte: LightBox

O preço final da joia é dado então pelo custo do diamante de laboratório utilizado na peça, adicionado ao custo dos outros materiais utilizados no design (prata ou ouro) do colar, anel, pulseira ou brinco.

A Lightbox possui a linha Lightbox Finest Collection, em que cada quilate custa US$1.500, porque as pedras produzidas passam por um processo de refinamento do material e assim, apresentam mais clareza. Nesta linha, todas as pedras são complementadas com design de ouro 18 quilates. A linha promete ao consumidor joias com diamantes excepcionais, ”que são o epítome do alto impacto e alta qualidade”.

Por último, outro fator diferencial da Lightbox é a comunicação com diferentes grupos. A marca posiciona-se a favor dos direitos da comunidade LGBTQIA + e estabelece parcerias com influencers de público jovial. Nos Estados Unidos, ainda oferecem a possibilidade de serviço concierge virtual de joias, em que o cliente pode ligar por chamada de vídeo ou por chat e contactar uma stylist de joias que o ajudará na experiência de compra.

O público-alvo da LightBox contempla a geração dos millennials e a geração Z, que, até 2024, representarão em torno de 50% do mercado de luxo pessoal no mundo, segundo dados do Boston Consulting Group:

Na joalheria, é crescente a preocupação em conquistar esses indivíduos que se mostram, muitas vezes, mais tendenciosos a investir em eletrônicos sofisticados ou em experiências. Além disso, eles são mais sensíveis aos propósitos abraçados pelas empresas. É nesse contexto que passamos a observar os sinais de uma verdadeira disrupção no mundo das joias: a adoção de diamantes cultivados  (Boston Consulting Group apud Rosana de Moraes, 2018)

Em síntese, os consumidores da LightBox são principalmente pessoas das novas gerações que têm uma crescente preocupação ambiental e que provavelmente não comprariam um diamante se não tivessem encontrado uma alternativa mais barata para que possam expor sua aquisição nas redes sociais (LABGROWNCARATS, 2022).

Diamantes naturais vs. de laboratório: o futuro do mercado

Durante a pandemia do COVID-19, o mercado de diamantes naturais viu seus números despencaram, resultando em movimentações de US$ 6,1 bilhões em pedras brutas, US$ 1,75 bilhão em diamantes processados e US$ 38,23 bilhões em joias (Statista), no ano de 2021. Especialistas demonstram uma visão positiva quanto a uma retomada e crescimento do mercado, principalmente em vista dos números provenientes das vendas online durante os períodos de quarentena. Apesar do mercado global ter recuado em 20%, as vendas de diamantes naturais pela internet cresceram e estima-se que o mercado de joias online alcance o valor de US$ 19,88 bilhões em 2022 (PR Newswire, 2021).

Ainda, estudos demonstram que a expectativa para o futuro é o crescimento do mercado de diamantes, retornando às marcas de crescimento histórico do período pré-pandêmico, esperando-se uma recuperação total do mercado até 2024. O momento parece oportuno para a De Beers tomar medidas que lhe assegurem sua fatia de mercado, mas alguns números ainda são preocupantes.

Segundo Edahn Golan, analista independente da indústria de diamantes, os dados de março de 2022 mostraram que “o número de anéis de noivado vendidos com diamantes produzidos em laboratório aumentou 63% em relação à 2021, enquanto o número de anéis de noivado vendidos com diamante natural diminuiu 25% no mesmo período.” (CNN, 2022).

“O grande medo na indústria de diamantes naturais é que os consumidores comecem a aceitar diamantes cultivados em laboratório em anéis de noivado. Tarde demais. Está realmente acontecendo.” (GOLAN, 2022).

De acordo com Dan Moran, especialista em diamantes de terceira geração e proprietário da joalheria Concierge Diamonds, os diamantes de laboratório ”estão se tornando populares à medida que os consumidores estão mais conscientes e educados sobre eles” (CNN, 2022).

Uma importante ferramenta de conscientização por parte das empresas produtoras de diamantes em laboratório é o TikTok e o Reels do Instagram, onde postam conteúdo que compara a joia natural e sintética. Essa estratégia alcança os millennials e a geração Z, cuja “mentalidade ecologicamente consciente e preocupações éticas sobre o fornecimento de diamantes naturais é outro fator que influencia sua preferência por anéis de noivado não tradicionais, de acordo com um relatório do site de planejamento de casamentos The Knot” (Isto é, 2022).

Além disso, a Guerra na Ucrânia impactou o fornecimento de diamantes naturais em vista das sanções aplicadas pelos EUA ao governo russo e, consequentemente, à Alrosa, atualmente a maior empresa de mineração do mundo, retendo 28% da produção global, o que eleva os preços das pedras em vista da diminuição da oferta.

Por fim, é importante considerar que, devido ao seu tempo de formação de milhares de anos, o diamante é considerado um recurso natural não-renovável. Em 2020, a maior mina do mundo, a mina Argyle, na Austrália, encerrou suas atividades por escassez de pedras economicamente viáveis. Até então, era conhecida como a maior produtora de diamantes em volume, fornecendo 90% dos diamantes cor de rosa do mundo. Apesar dos diamantes ainda estarem longe de acabar, a sua exploração vai ficando exponencialmente mais difícil acarretando no encerramento de minas e a necessidade de buscar novas fontes, com todo o impacto ambiental e social que a instalação de um mina causa na região em que se instala.

Frente a tantas incertezas para o futuro, o Grupo De Beers enfrenta um grande dilema gerencial: como manter-se competitiva frente ao mercado de diamantes naturais e de diamantes produzidos em laboratório? – um desafio que definirá sua posição no mercado de luxo.

Perguntas para o debate

  1. Criar a marca Lightbox foi um acerto por parte da De Beers? Ou acredita que a De Beers deveria ter focado seus esforços para fortalecer a marca original? Analise prós e contras desta decisão.  
  2. A longo prazo, você recomendaria que o Grupo De Beers abandonasse a linha de diamante natural? Por quê?
  3. Compare o mix de marketing (4Ps) e o público-alvo da De Beers e da LightBox. Diante da comparação, as duas marcas são concorrentes diretas? Justifique.
  4. O posicionamento do Grupo De Beers em relação à responsabilidade social e ambiental consegue persuadir seu público-alvo?
  5. Analise as principais estratégias de diferenciação da marca Lightbox. Elas são capazes de atingir o público alvo desejado?
  6. Como a De Beers e a Lightbox podem manter suas estratégias de atuação de mercado de forma complementar a longo prazo?

Galeria

Figura 1 – Documento de Consolidação da De Beers. Fonte: Grupo De Beers. Disponível em: https://www.debeersgroup.com/about-us/our-history
Figura 2 – Logo e Slogan da De Beers. Fonte: De Beers. Disponível em: https://www.debeersgroup.com/about-us/our-history 
Figura 3 – Forevermark: pequena logo incrustada na pedra como garantia de um diamante natural, sem tratamentos para fissuras ou alteração de cor e, mais importante, sem relação com conflitos. Fonte: Grupo De Beers.
Figura 4 – Sightholders: grupo de clientes com relação contratual com a De Beers. Fonte: Grupo De Beers.
Figura 5 – LightBox: Logo. Fonte: LightBox
Figura 9 - Campanha De Beers de 1947: A Diamond is Forever. Fonte: Forevermark. Disponível em: https://www.forevermark.com/en/now-forever/a-diamond-is-forever/frances-gerety/ ‌ ‌
Figura 10 - Campanha De Beers 1964: A Diamond is Forever. Fonte: NZHerald. Disponível em: https://www.nzherald.co.nz/business/all-the-times-youve-been-had-by-ads/4S26L24ZLK5XFOUDHEGCQAVAFM/ 
Figura 16 - Campanhas De Beers de 2022. Fonte: De Beers Group
Figura 17 - Campanhas De Beers de 2022. Fonte: De Beers Group
Figura 18 - Campanhas De Beers de 2022. Fonte: De Beers Group
Figura 19 a 22 - Campanhas Lightbox de 2022. Fonte: LightBox

Referências

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Materiais complementares ao caso: vídeos

Lightbox Jewelry (2019). The Science Behind the Sparkle of Lab-Grown Diamonds

De Beers (2008). Stand By Me Commercial A Diamond Is Forever De Beers 2008



Sobre as autoras

  1. Nicole Alonso Santos de Sousa é estudante de Administração da Universidade de Brasília e membro gestora da Equipe Casoteca ADM. Email: nicolealonso2000@gmail.com
  2. Amanda Alves Silva de Melo é estudante de Administração da Universidade de Brasília e membro da Equipe Casoteca ADM. Email: meloamanda73@gmail.com
  3. Eluiza Alberto de Morais Watanabe é Professora do Departamento de Administração e do Programa de Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade de Brasília (UnB). Possui doutorado (UnB) e mestrado (UFMS) em Administração. Experiências em estudos relacionados ao marketing e comportamento do consumidor. Líder do grupo de pesquisa Conscient- Estudos em Consumo Sustentável. É membro da SCORAI Brazil - Sustainable Consumption Research, Action and Initiative no Brasil (http://scorai.org/brazil). Interesse em temas relacionados ao consumo sustentável, estratégias de marketing sustentável e delineamentos experimentais. Email: eluizawatanabe@unb.br

Este caso foi escrito a partir de informações cedidas pela empresa e com base em outras referências citadas. Não é intenção dos autores avaliar ou julgar a empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmica, sendo vedada a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. A violação aos direitos autorais sujeitará o infrator às penalidades da Lei Nº 9.610/1998.