Vivalá Turismo e Voluntariado: planejando o futuro de um negócio social
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Lara Liz Freire
Helena Araújo Costa
Resumo
A Vivalá surgiu a partir da ideia de três empreendedores brasileiros que construíram um negócio social no setor de turismo para oferecer experiências de turismo e voluntariado. Por meio da vivência no turismo de base comunitária, os voluntários fazem imersões em unidades de conservação e suas comunidades, protagonizam a mudança, empoderando pequenos negócios familiares, nos mais variados eixos empresariais. A empresa já atingiu 760 viajantes de 8 países em 49 expedições que injetaram mais de 500 mil reais em economias locais. Porém, no início de 2020, o Brasil passou a enfrentar a maior crise sanitária e econômica do século, a Pandemia de COVID-19, que ampliou as desigualdades e paralisou completamente a atividade turística. Dessa forma, diante dos novos desafios que surgiram para os empreendedores, o caso traz o participante para refletir acerca dos principais desafios de gestão que a Vivalá enfrenta atualmente, dos rumos estratégicos a serem tomados e como se planejar para o futuro considerando a história, o propósito da empresa e sua visão.
Palavras chave: Turismo de base comunitária; Negócio social; Voluntariado; Stakeholders; Pandemia; Planejamento.
Abstract
Vivalá arose from the idea of three entrepreneurs who have built a social business in the tourism industry that offers tourism and volunteer experiences. Through their experience in community-based tourism, volunteers immerse themselves in natural protected areas and their communities, empowering small family businesses in the most varied business aspects. The company has already reached 760 travelers from 8 countries in 49 expeditions that injected more than 500 thousand reais into local economies. However, at the beginning of 2020, Brazil began to face the biggest sanitary and economic crisis of the century, the COVID-19 Pandemic, which widened inequalities and completely paralyzed tourism. Thus, given the new challenges that have emerged for entrepreneurs, the case brings the participant to reflect on the main management challenges that Vivalá currently faces, the strategic directions to be taken and how to plan for the future considering history, the purpose of the company and its vision.
Keywords: Community-based tourism; Volunteering; Social business; stakeholders; Pandemic; Planning.
Vivalá: um negócio baseado no turismo e na educação como motores de transformação local
No ano de 2013, durante a construção do trabalho de conclusão de curso de propaganda e marketing da ESPM, Daniel Cabrera, Pedro Gayotto e Bárbara Espir, criaram o conceito da Vivalá. A ideia foi desenvolvida ao longo de um ano, através da modalidade de trabalho de conclusão curso empreendedor, onde os estudantes fariam um laboratório de negócio com uma empresa fictícia criada por eles. Os três viram a oportunidade de utilizar esse ano do estudo para construir um modelo de negócio que pudesse ir além de um trabalho acadêmico.
Desde o início, eles sabiam que queriam ter um negócio que gerasse lucro e impacto ambiental ao mesmo tempo, eles imaginavam algo entre uma ONG e uma empresa. Como eles dizem, queriam “fazer algo diferente, além de só reclamar”. Então, observaram que muitos brasileiros não conheciam o próprio país e que esse distanciamento da diversidade cultural e natural do Brasil reforça preconceitos e não incentiva que se conheça e se proteja a biodiversidade tão exuberante do país. Por isso, escolheram o turismo e a educação como motores de transformação local.
O projeto ficou engavetado por 3 anos. Então, em 2016, realmente saiu do papel. Os cofundadores optaram por ter uma agência como empresa, e depois disso, sentiram a necessidade de abraçar o lado social criando uma ONG, o Instituto Vivalá, até que se identificaram como Negócio Social e fundiram todas as frentes do negócio na empresa Vivalá. Com 5 anos de operação, e empresa já atendeu 760 voluntários de 8 países diferentes e ajudou a injetar mais de 500 mil reais em economias locais através do turismo de base comunitária. Neste período, 127 negócios familiares foram atendidos nas 49 expedições operadas pela empresa em 7 comunidades no Brasil.
A empresa tem crescido e tem sido reconhecida como um modelo de negócio diferenciado. Em 2019, recebeu uma importante premiação nacional, o Prêmio Braztoa de Sustentabilidade no Turismo, oferecido pela Associação Brasileira de Operadoras de Turismo (BRAZTOA). Ainda, foi vencedora do Desafio Belvitur 2020, da Young Leaders of Americas 2018 e do Prêmio Global Student Entrepreuner Awards São Paulo 2017.
Volunturismo: turismo com propósito e com olhar na mudança social
O volunturismo é o nome dado a viagens que combinam passeios turísticos com trabalho voluntário, geralmente é direcionado a locais de atrativos naturais, culturais ou gastronômicos e procurado por pessoas dispostas a deixar um legado positivo na comunidade visitada. Diferente do turismo de massa ou turismo predatório (caracterizado pela exploração da natureza e cultura dos locais visitados) essa modalidade proporciona uma troca de conhecimentos entre os viajantes e a comunidade, além do claro impacto positivo deixado pelos voluntários.
Daniel Cabrera, confundador e diretor executivo da Vivalá, ressalta o poder transformador das viagens e a paixão por detrás do negócio. Ele afirma: “Sempre fomos apaixonados por viagens, e sabemos o poder transformador que elas têm. O gigante ganho de conhecimento, cultura, abertura para o novo, imersão nas comunidades locais, relacionamentos profundos com pessoas, com a natureza, e o bem estar para todos os envolvidos. Por outro lado, entendemos o tamanho dos desafios que o Brasil enfrenta, e cada vez mais nos sentimos mais responsáveis em atuar e buscar um desenvolvimento sustentável. O país é um lugar incrível, continental, com uma das maiores biodiversidades do mundo, extremamente rico em natureza, cultura e na receptividade do brasileiro. E mesmo assim, não é tão valorizado quanto poderia. A Vivalá veio dessa junção, e da compreensão de que o turismo sustentável, de base comunitária, e associado ao voluntariado feito de uma maneira séria, mensurável, seja um dos caminhos sólidos para ajudarmos a criar o país que queremos viver, um país com mais qualidade de vida e pertencimento para seus cidadãos”[1].
Ainda, Daniel entende que a Vivalá, como negócio social, surge da junção de dois problemas principais: “De um lado o Brasil tem um potencial gigante para estabelecer um turismo verdadeiramente sustentável, gerar oportunidade e desenvolvimento para centenas de comunidades e receber muitos milhões de turistas por ano. Por outro lado, turistas buscam experiências mais autênticas, onde possam de fato conhecer um local, se relacionar com a natureza, sua população, sua cultura, e sentirem a sensação de deixar um legado positivo para a comunidade visitada”.[2]
A Vivalá, possui uma metodologia própria de volunturismo. Focada em uma imersão holística em unidades de preservação, os voluntários repartem experiências de vida com diversos participantes para ampliar seus objetivos e visão de mundo. Durante as expedições, através do contato com comunitários. Os voluntários, também chamados de volunturistas, aprendem sobre a cultura e vivenciam o local, além de levantarem soluções para os desafios que cada um dos negócios comunitários apresenta.
Antes da viagem, o voluntário recebe um treinamento online, onde a metodologia de voluntariado da empresa é apresentada. Além disso, o voluntário aprende sobre a biodiversidade, cultura local, contatos importantes e sugestões do que levar na mala. Todo processo feito pela Vivalá. Durante a viagem os volunturistas aproveitam destinos paradisíacos do nosso país, enquanto vivenciam a experiência de um intercâmbio cultural. Eles passam por uma profunda imersão na natureza e cultura local, e para gerar impacto positivo levam capacitação, conteúdo, conhecimento para os comunitários e utilizam ferramentas de administração de negócios aos microempreendedores de cada região, atuando como mentores de educação empreendedora nas unidades visitadas (Anexo 1).
A metodologia da Universidade Vivalá de negócios contempla 10 frentes: definição de negócios, planejamento financeiro, estratégia de marketing, estratégia de vendas, ferramentas digitais, relações de público de interesse, ações sustentáveis, autoconhecimento, planejamento de longo prazo e conselho consultivo.Com isso, é possível melhorar progressivamente a qualidade de gestão dos pequenos negócios das regiões atendidas, aumentando seu fluxo de clientes e gerando mais impacto para aquela comunidade. Para além do impacto local, os transformadores conhecem mais o próprio país, experimentam a vida em uma outra cultura de forma imersiva e constroem um legado positivo na sua jornada turística.
De acordo com Elisa Burrai, pesquisadora da Leeds Becket University (Reino Unido) especializada em volunturismo, a maior parte da literatura acadêmica foca nos benefícios do volunturismo. Entre eles, estão: o exercício do altruísmo dos voluntários, e seu desenvolvimento pessoal, melhoria do entendimento mútuo entre pessoas de diferentes realidades, melhoria da condição de vida da comunidade visitada e aumento do articulações sociais em prol de desenvolvimento local (Burrai et al, 2015). Todavia, há preocupações também ao redor deste modelo de turismo dentre as quais: uma excessiva dependência da comunidade dos recursos gerados pela visitação, uma possível uma marginalização e até a redução do empoderamento das comunidades visitadas, especialmente quando o voluntário ocupa uma “posição de poder” (Burrai et al, 2015). Ambas as vertentes de possíveis impactos precisam ser levadas em consideração para que se construa um turismo genuinamente responsável em conjunto com essas comunidades e em favor de sua sustentabilidade.
Negócio social: construindo uma empresa que gera lucro e impacto social simultaneamente
De acordo Cardoso (2015) o negócio social é uma organização híbrida com intuito de gerar, ao mesmo tempo, lucro e impacto social. Além disso, segunda a Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto (2021), os negócios sociais são caracterizados por: possuírem intencionalidade de resolução de um problema social e/ou ambiental; enfrentamento ao problema é a atividade principal do negócio; visa de retorno financeiro, opera conforme a lógica de mercado; e tem o compromisso com monitoramento do impacto gerado (Anexo 2).
A Vivalá postulou em seu estatuto que 50% dos lucros da empresa devem ser revestidos para o caixa da empresa, para que o impacto chegue a mais pessoas e que a empresa possa gerar mais emprego para mais pessoas. Além disso, a empresa atende pequenos negócios familiares do turismo de base comunitária. No Brasil 75 % dos negócios que declaram falência são por falta de planejamento e gestão. Para resolver esse problema, a proposta da Vivalá é treinar e levar voluntários interessados em trocar experiências e promover mudanças para as unidades de conservação, a fim de desenvolver esses negócios por meio da educação empreendedora.
A empresa atua como operadora de turismo, planejando, gerenciando e executando as expedições, e como agência fazendo a comunicação e a negociação dos produtos com os clientes. O pacote da expedição engloba toda a experiência, com exceção do aéreo, ou seja, hospedagem, alimentação, transporte aquático e terrestre, passeios, material de voluntariado, treinamento, estão inclusos. O perfil do volunturista da Vivalá é majoritariamente feminino, brasileiros, pessoas jovens-adultos, com superior completo, que já possuem um conhecimento prévio da importância do turismo de base comunitária, que já tiveram outras experiências turísticas.
Com uma estrutura organizacional enxuta de 9 colaboradores, eles priorizam ter ''poucos muitos bons'', através desse modelo a empresa conseguiu crescer exponencialmente a 3 dígitos por ano de 2017 a 2019. Com isso a empresa conseguiu conquistar uma reserva financeira para caso fosse necessário e investir na expansão do negócio.
Os planos para o futuro da Vivalá, conforme Daniel, são de expansão, aumento de escala, fortalecimento da relação com stakeholders e sedimentação do impacto positivo da empresa. Daniel explica que “hoje atuamos em 4 comunidades em três estados entre o Amazonas, Pará e Maranhão. Agora é hora de aumentar a escala e o impacto de nossa iniciativa e queremos expandir 100% em 2021, chegando em 8 comunidades em unidades de conservação. Nessa expansão estão previstas a iniciação nos destinos: Chapada dos Veadeiros (GO), Chapada Diamantina (BA), Geoparque Seridó (RN), Aldeia Shanekaya (AC). Com essa visão temos o potencial de fazer em 2021: 36 expedições em 8 unidades de conservação brasileiras, em 7 estados, com 1487 volunturistas, R$ 2,7 milhões de faturamento, injetando via TBC R$ 950 mil nas comunidades, com 302 negócios do turismo de base comunitária em nosso programa de capacitação, realizando 8922 horas de voluntariado. Para atingir esse potencial iremos aprofundar ainda mais em nossa estratégia de marketing de conteúdo digital, lançar nosso programa de indicações aproveitando o alto NPS, aumentar contratos de distribuição com agências, e aumentar relação com universidades.”
COVID-19: A maior crise sanitária do século paralisou o turismo
Em março de 2020 o Brasil foi surpreendido pela chegada da pandemia de Corona vírus, imediatamente as viagens nacionais e internacionais foram impossibilitadas, todas as atividades que requerem deslocamento foram desincentivadas como medida sanitária de prevenção ao COVID-19. Os pequenos negócios e setores de serviços, em especial o turismo foram os mais afetados em termos de receita e fluxo de clientes.
Em uma pesquisa realizada pela FGV em conjunto como SEBRAE, em julho de 2020, indica que antes da pandemia que apenas 26,6% das empresas estava com uma situação financeira boa, enquanto 73,4% estava numa situação razoável ou ruim. Com a pandemia de COVID-19, 3,5% dos negócios fecharam permanentemente, 58,9% fecharam temporariamente, 31,0% mudou o funcionamento, e apenas 6,6% conseguiram continuar funcionando da mesma maneira que antes. Além disso, a pesquisa também concluiu que das empresas que continuaram o funcionamento 41,9% agora realiza atendimento online, 41,2% funcionando com o horário reduzido e 21,6% adotaram o modelo de trabalho remoto.
Quando observado especificamente o setor de turismo, O SEBRAE (2020), em seu relatório sobre COVID-19 e pequenos negócios, apresentou que o faturamento caiu 63% nos pequenos negócios do turismo. Além disso, mais de 60% das empresas permanecem fechadas. Sendo o turismo o mais afetado setor, registrou queda de 87% da sua receita em novembro de 2020. Antes disso, havia expectativas de crescimento para 2020, conforme os anos anteriores indicavam.
Diante disso a Vivalá, ao analisar seu passado e olhar para a conjuntura atual, percebe os seguintes aspectos:
a) Ter lucrado expressivamente nos últimos anos;
b) Paralisação da atividade de turismo nos últimos 18 meses;
c) Restrições de funcionamento da empresa com a necessidade de isolamento social e medidas sanitárias de contenção da pandemia;
d) Desejo de crescer mantendo o propósito;
e) Compromisso em atender os negócios familiares afetados pela pandemia;
f) Necessidade de fazer a gestão dos pacotes previamente comprados.
Ao analisar estes fatores, a Vivalá precisa se reorganizar e estabelecer premissas e linhas de ação para enfrentar a crise posta pela pandemia para o modelo de negócio social baseado em volunturismo.
Perguntas para debate:
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Identifique os principais stakeholders da Vivalá.
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Analise como a empresa poderia valorizar os benefícios do volunturismo e minimizar os potenciais prejuízos gerados por ele.
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Como a empresa poderia apoiar as comunidades parceiras durante o cenário da pandemia, em que as viagens foram paralisadas?
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Analise que elementos a Vivalá deve observar para decidir pela retomada das viagens e como pode manter a comunicação com seu público-alvo.
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Quais são os principais desafios de enfrentados pela empresa atualmente para realizar seus planos de futuro?
Referências
ALIANÇA PELOS INVESTIMENTOS E NEGÓCIOS DE IMPACTO. O que são Negócios de Impacto. Disponível em: https://aliancapeloimpacto.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ice-estudo-negocios-de-impacto-2019-web.pdf. Acesso em: 3 mar. 2021.
BURRAI, Elisa; FONT, Xavier; COCHRANE, Janet. Destination stakeholders’ perceptions of volunteer tourism: an equity theory approach. International Journal of Tourism Research, vol 17, 5, 2015.
PROJETO DRAFT. VERBETE DRAFT: O QUE É VOLUNTURISMO. Disponível em: https://www.projetodraft.com/verbete-draft-o-que-e-volunturismo/. Acesso em: 29 mar. 2021.
VIVALÁ. Turismo Sustentável no Brasil. Comunidade, Natureza, Voluntariado. Disponível em: https://vivala.com.br. Acesso em: 31 mar. 2021.
SEBRAE. COVID-19 E PEQUENOS NEGÓCIOS: IMPACTOS E TENDÊNCIAS 24 Edição nov. 2020
[1] Entrevista disponível em https://network.changemakers.com/challenge/turismosustentavel/inscricoes/vivala
[2] Entrevista disponível em https://network.changemakers.com/challenge/turismosustentavel/inscricoes/vivala
Sobre as Autoras
Lara Liz Freire é estudante de Administração da Universidade de Brasília e membro da Equipe Casoteca ADM. Email:lara.liz@aluno.unb.br
Helena Araújo Costa é Professora Associada II do Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Coordenadora da Casoteca ADM. Professora de Tópicos Contemporâneos em ADM e Introdução a ADM. Email: helenacosta@unb.br
Anexos
Este caso foi escrito a partir de informações disponibilizadas pela empresa, disponíveis na mídia e/ou com base em outras referências citadas. Não é intenção dos autores avaliar ou julgar a empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmica, sendo vedada a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. A violação aos direitos autorais sujeitará o infrator às penalidades da Lei Nº 9.610/1998 ↩︎